Sincronicidade Cósmica
Sentia-me mal desde o dia anterior. Nervosa. Inquieta. E não conseguia perceber porquê. Andava pela casa, fui até à sala, sentei-me. Reconheci "aquele frenesim-padrão sempre certeiro"... O que é que estará para acontecer desta vez...? (questionei-me amedrontada). Silêncio. Silêncio profundo.
Tocou o telefone. Fiz por desligar mas li o teu nome a cintilar no visor. Claro que atendi. A tua voz acalmou-me um pouco e alegrei-me por uns instantes. Confessei-te de imediato que não me sentia boa companhia. Desafiaste-me para uma saída de campo: Vamos observar o céu como noutros tempos? Sorri e respondi-te afirmativamente: Vamos nisso! Surpreendeste-te com minha confirmação imediata. Eu também, mas não hesitara porque sei que contigo estou sempre bem. Iríamos até ao Alentejo. Combinamos ponto de encontro na margem sul. Quase ao desligar disseste-me ainda: Não venhas pelo Barreiro!
Aprontei-me e reuni o material astronómico que viaja sempre comigo. Mochila às costas, apetrechada a preceito, atravessei Lisboa de táxi rumo ao Tejo. À noite observaríamos o céu alentejano. Chegada ao cais tentei lembrar onde há mais de vinte anos não comprava um bilhete de barco. Encontrei as (novas) bilheteiras. Sentia-me perdida, completamente perdida. Mas o que é que se passava comigo? Não parava de ansiar o que poderia estar para acontecer... E o barco? Donde partiria o meu barco? (procurava, perdida, de bilhete na mão). Pareceu-me que partiam todos para o Barreiro... Sentei-me, aflita. O telemóvel tocou e eras tu a certificares-te que apanharia o barco correcto: Não venhas pelo Barreiro! (de novo me lembraste)
Parti. Toda a viagem foi de uma serenidade atroz. O Tejo estava lindo mas o barco parecia seguir para o Barreiro... até quase perto do fim. Sabia que não podia ser: perguntara 3 vezes ao Revisor. Fixei o tumulto das águas e tentei animar-me com a perspectiva de nosso reencontro olhos postos no céu. Chegada ao destino logo te avistei à minha espera. Mil sorrisos e abraços saudosos.
Fomos tratar de mais uns pendentes. Durante o jantar recebemos um susto de notícia mas ambos sossegamos em troica telefónica: somos todos bons amigos! A minha inquietação voltou. Não se quedara com este susto de notícia. Mas o que é que ainda estaria para acontecer...?
Ao entardecer e já na estrada perguntaste-me por sugestões de destino. Respondi de imediato. Um só local. Surpreendeste-te pela escolha de um local de culto fúnebre mas não ripostaste. Cromeleque dos Almendres pois então.
Chegamos ao nosso destino astronómico depois do pôr-do-Sol. De novo tacteei (saudosa) essas Senhoras Pedras... No meio do Cromeleque tinhamos um bom horizonte de visibilidade, sem chaparros. Montamos o telescópio ali mesmo. Em francês. Lua Nova. Eclipse só para uns. O Caminho de Santiago, leitoso sob a nossa mente astral. Observamos os astros durante horas a fio. De luz filtrada a vermelho consultamos os mesmíssimos mapas por onde outrora aprenderamos tanto...! Contavamos também "estrelas cadentes" ao desafio: um festival de inúmeros rasgos luminosos! Parecíamos dois miúdos mas conversavamos como dois seres maduros. Uma vintena d'anos depois. De madrugada toca também o telemóvel intercontinental a perguntar por notícias do espaço: sorrio e correspondo.
Já muito pela noite dentro perguntaste-me se poderíamos voltar para Lisboa. Tal como uma flecha certeira, a minha inquietação voltou. Levantei os olhos ao céu como que procurando respostas e eis que lembrei Outrém. Soube nesse mesmíssimo instante que o que quer que fosse que estava (par)a acontecer, Outrém sofria. E muito. Senti-o, já sem quaisquer dúvidas. O meu coração batia agora bombásticamente e respirava com sofreguidão. Quero passar aqui a noite... (respondi-te, a muito custo, no escuro). Aqui, no meio do Cromeleque? Ao relento? (perguntaste atónito) Sim, por favor (repliquei). Percebeste que eu dali já não sairia tão cedo. Bom... então vou até ao carro ver o que é que ali tenho para improvisar acomodação... (e afastaste-te por um bocado).
Olhos postos no Céu: por Júpiter e Marte, porque estaria Outrém a sofrer tanto? À vastidão do Universo fui buscar ímpeto (agora imperioso) para discar seu número telefónico. Sustive a respiração quando vi o seu nome activado no visor telefónico - incrédula por ter sido capaz. Outrém atendeu, com uma voz tétrica. Por toutatis! Estava vivo mas como lhe dizer que sabia e sentia o quanto estava a sofrer? Silêncio. Apenas meu profundo silêncio.
Voltaste do carro e improvisaste uma engenhosa solução! Ainda surpreendido pela minha insistência em passar assim a noite, disseste-me a rir: Viajaste para além fronteiras, pernoitaste nalguns dos melhores hoteis e eu trago-te para dormires ao relento... da próxima vez prometo que será melhor! Assegurei-te que não queria estar em qualquer outro lugar. Era ali mesmo que precisava e queria pernoitar... até ao novo raiar do Sol. E estava-te profundamente grata por me teres possibilitado esse desírio. Observavamos o céu deitados de costas, no meio do Cromeleque. Conversamos um pouco mais até adormecermos. Confessei meu eterno desgosto. Não te apercebeste mas chorei lágrimas ao avistar a ISS passeando-se luzidia por entre o negrume do céu... Confortavél a teu lado mas minha alma ainda tão inquieta...
Pela calada da noite senti o calor daquela Terra contra o meu corpo enquanto (gradualmente) interiorizava ritos milenares celebrados por entre essas mesmas Senhoras Pedras com memórias profundas de sofrimento... Instintivamente, angustiadamente e quasi-magneticamente, minhas mãos tactearam apressadamente o solo até encontrar o telemóvel e os meus dedos discaram persistentemente todos os contactos de Outrém... pela noite fora... inexplicavelmente... exasperadamente... e sempre em silêncio: num transe de loucura.
Acordei passado um par d'horas. Ainda era noite, tinhas-te levantado e estavas de novo ao telescópio! Sorri mas percebi que o fizeras porque não havia maneira de ficarmos ambos bem acomodados: para cumprir meu desejo de ali pernoitar, cavalheirescamente cederas-me o melhor lugar e ficaras tu ao frio! Profundamente Grata. Quando voltei a acordar reparei que te refugiaras no carro. Levantei-me. Sabes..., fiz uma festinha ao telescópio. Percorri o Cromeleque demoradamente e certifiquei-me que uma dada Senhora Pedra não era apenas "mais uma"...
(clique nas fotos para ampliar)
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