22.6.08

Santos Populares


No 120º aniversário do nascimento de Fernando Pessoa inauguraram uma estátua "de meu parente" à porta da casa onde nasceu. Sita também defronte do edifício mandado erguer por "um outro meu avôzinho". Fomos à cerimónia. Calor de morrer. Até a estátua suava (aposto).Porque celebravamos também o resultado eleitoral irlandês (por demanda constitucional) à recusa dos governos europeus em referendar o Tratado de Lisboa... logo descemos a pé de São Carlos até ao pub irlandês mais próximo. Brindavamos agora em tertúlia, e à sombra de tanto calor. Observava a caravela junto à porta... As portas abriram-se. A luz soalheira alumiou ainda mais o pub. Entrou gente. Reconheci um dos rostos masculinos (mas questionava-me: de onde?). À mesa repararam... seguiam o meu olhar e perguntaram-me quem eras. Não conseguia lembrar ao certo onde convivera com aquele olhar, mas sabia que me era familiar. Lembrei! De uma mesa para outra gritei o teu nome. Fizeste um ar confuso mas vieste ao meu encontro. Disse-te o meu nome e coordenadas de outrora. Que sorriso! Deste-me um beijinho. Ambos sabíamos agora que (e de onde) nos conhecíamos... Tentámos relatar nossas vidas, passado mais de 30 anos. Todos em redor sem ter como intervir ou poder dizer algo sequer. Falavas com uma enorme doçura no olhar... e estivemos assim "uma eternidade", de novo a conversar os dois. Tivemos de nos despedir pois ambas as mesas reclamavam as nossas atenções. De uma mesa para outra fomos (re)olhando-nos... Voltaste a vir ao meu encontro. Lembraras-te de vários episódios de então e querias vocalizar tudo isso. Lembrei-te de uns outros tantos pormenores. Partilhavamos memórias preciosíssimas, passado mais de trinta anos... Falamos mais um bocadinho. Perguntaste-me pela profissão, falei-te do Mundo e do Universo. Por uns instantes, fechaste os olhos enquanto me escutavas deliciado (retive essa bela expressão de teu rosto...). Reclamei teu olhar. Abriste os olhos, e essas enormes pestanas. Disseste: "Olha Que Dois!" (?! na altura não percebi...) Sorrimos. Despedimo-nos e saíste para a rua com tua companhia. Eu fiquei mais um tempinho, com minha companhia à mesa. Todos silenciaram, ninguém ousou perguntar nada. Estava deliciada com nosso (re)encontro. Todos perceberam, pelo que respeitaram meu silêncio também. Recordava esses tempos, agora absorta de tudo mas ainda com um sorriso nos lábios. "Cheirou-me a mangerico". Alguém se aproximou e sussurrou-me ao ouvido: "Por favor, posso ficar com o teu contacto?" Eras tu. Tinhas voltado ao pub. Sózinho.Trocamos contactos. Voltamos a falar um bocadinho. Deste-me mais um beijinho e voltaste a sair do pub. Assim que me sentei de novo à mesa, disseram-me em atropelo coral: "Não sabemos de onde é que vocês dois se conhecem, mas ficou claro para todos que aquele Homem não se iria embora sem o teu contacto. Sabíamos que iria voltar atrás. Até apostamos quantos minutos demoraria: ganhou o M." Ri-me (de nós) com eles. Sabia que tinham razão, também eu sentira que voltarias atrás. Ainda bem que o fizeste - olhos nos olhos e sem medos!Durante a primária, frequentámos o mesmo colégio suisso. Ganhavamos louvores pelas melhores redações que depois de premiadas oferecíamos um ao outro. Passavamos muito tempo a conversar só os dois. Eramos bons alunos e queriam que assim continuassemos. Tentaram distanciar nossas carteiras. Passamos a trocar papelinhos durante as aulas. Desistiram. Ensinaste-me a jogar à bola. Fazíamos tudo juntos, lado a lado, mas ás vezes também competíamos. Gostavas quando eu ganhava aos outros (eras quem batia mais palmas) mas amuavas se porventura te ganhava a ti também. Quando assim acontecia, logo fazias uma proeza que me fosse difícil de igualar e restabelecias a ordem (entre nós) como um Leão. Defendias-me sempre dos outros rapazes. Um dia andaste à bulha por minha causa e foste chorar escondido. Fui ter contigo, debaixo da nossa árvore, e reparei que deitavas sangue de uma mão. Dei-te um beijinho nas feridas, reconhecida pela bravura cavalheiresca. Ficamos (e)namorados. Até mudarmos de colégio. Reencontramo-nos no Dia de Santo António, mais de trinta anos depois...Passado uns dias recebi um Sr. Convite. Segui os links e fiz uma pesquisa na net. Descobri que és já famosíssimo e uma referência internacional na tua área profissional... no YouTube até vi que há anos que milhares de pessoas pagam (literalmente) "para te irem ver a trabalhar"... !
Só então percebi a piada do "Olha Que Dois!" (trajectos de vida e profissionais).
ADOREI (re)encontrar-te, ver-te e ouvir-te, e tudo o que entretanto li (em tantas línguas) a teu respeito. No pub não ficara com a mais pálida ideia do que fazias profissionalmente (não se falou nem perguntei) mas não me surpreende tudo o que já realizaste pois senti que mantiveste essa garra de Leão que te conhecera no colégio... No entanto, lamento informar que detesto multidões... razão pela qual não pude aceitar este teu VIP convite ;-)

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