6.2.08

quatro séculos a pregar aos peixinhos

Padre António Vieira
06 Fevereiro 1608 (Lisboa) - 17 Junho 1697 (Baía)

«Imperador da Língua Portuguesa»
(Fernando Pessoa)



[...] Prouvera a vossa Divina Majestade que nunca saíramos de Portugal, nem fiáramos nossas vidas às ondas e aos ventos, nem conhecêramos ou puséramos os pés em terras estranhas! Ganhá-las para as não lograr, desgraça foi e não ventura; possuí-las para as perder, castigo foi de vossa ira, Senhor, e não mercê, nem favor de vossa liberalidade. Se determináveis dar estas mesmas terras aos piratas de Holanda, por que lhas não destes enquanto eram agrestes e incultas, senão agora? Tantos serviços vos tem feito esta gente pervertida e apóstata, que nos mandastes primeiro cá por seus aposentadores; para lhe lavrarmos as terras, para lhe edificarmos as cidades, e depois de cultivadas e enriquecidas lhas entregardes? Assim se hão de lograr os hereges e inimigos da Fé, dos trabalhos portugueses e dos suores católicos? En queis consevimus agros! "Eis aqui para quem trabalhamos há tantos anos!"

Mas pois vós, Senhor, o quereis e ordenais assim, fazei o que fordes servido. Entregai aos holandeses o Brasil, entregai-lhes as Índias, entregai-lhes as Espanhas (que não são menos perigosas as conseqüências do Brasil perdido); entregai-lhes quanto temos e possuímos (como já lhes entregastes tanta parte); ponde em suas mãos o Mundo; e a nós, aos portugueses e espanhóis, deixai-nos, repudiai-nos, desfazei-nos, acabai-nos.

Mas só digo e lembro a Vossa Majestade, Senhor, que estes mesmos que agora desfavoreceis e lançais de vós, pode ser que os queirais algum dia, e que os não tenhais.
[...]

(in "Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda", Padre António Vieira)