28.12.07

a rosa

(by Magritte)

Caminhava aconchegada na minha capa preta com uma rosa bordeaux pregada ao peito.
Subiamos a avenida juntos e conversavamos sobre tudo o que consideravamos pertinentemente importante. Passavam por nós pessoas que desciam a avenida, quiçá em direcção ao rio, àquela hora tardia. Passou por nós alguém que dias antes se tinha cruzado comigo num outro qualquer cocktail nocturno. Reparara então e agora de novo. Passos mais à frente dei por falta da rosa. Voltei atrás e percorri minuciosamente o chão do passeio da avenida: em vão, perdera aquela flôr. Lamentei. Há anos que adorava aquela flôr, agora perdida. Paciência.
Dias depois descia uma outra avenida. Avistei aquela mesma cabeça que de novo se cruzava comigo. Subia e eu descia, pelo mesmo passeio. Quando nos cruzassemos tinha intenção de também cruzar seu olhar. Abrandei o passo. Ao aproximarmo-nos não pude deixar de reparar: trazia na lapela de seu sobretudo uma rosa bordeaux.
Viu-me. Reconheceu-me. Fitou-me de frente e sorriu-me.
Estavamos agora equidistantes e eu incrédula exclamei: "Essa flôr é minha. Perdia!"
Pôs de imediato a mão sobre o peito, protegendo-a com a sua mão masculina, e olhos nos olhos respondeu-me baixinho: "A-g-o-r-a é m-i-n-h-a!"
Dei de imediato um passo para trás.
Certamente que se referia à flôr.
Ficámos assim. Quites no meio da rua.