14.12.07

guru's night


Recebi um email do Luxemburgo a informar que viria a Lisboa um dos poucos ocidentais qualificados como Lama e Professor de meditação na tradição budista Karma Kagyu e que em 1969 fôra um dos primeiros alunos ocidentais de Sua Santidade o Décimo Sexto Gyalwa Karmapa.
Hmmmm.... fui até lá. A sala reservada num hotel moderno contrastava com o visual da afluência. Mas sala repleta. De estrangeiros. Portugueses eram essencialmente os da comissão organizadora local. E os que vendiam bilhetes. Encontrei 2 alemães meus conhecidos, que me apresentaram a outros dinamarqueses, que me apresentaram a outros holandeses... e por aí fora. Falávamos animadamente em grupo no corredor central quando (de costas) me apercebi que se aproximava uma comitiva.

Voltei-me de repente... and our eyes were locked.
Parou de imediato e eu permaneci imóvel.
O nosso olhar não se quebrou.
No que devem ter sido uns meros minutos para todos,
passou uma eternidade.
Estáticos, entreolhavamo-nos penetrantemente.
Não sei se alguém mais se apercebeu do que se estava a passar (entre e através de nós). Ali mesmo. Na presença de tudo e de todos, sem cerimónias ou pudôr algum.
Passado "todo esse tempo", baixou os olhos e prosseguiu por uma ala lateral naquele seu passo desengonçado.

Nunca tinha parado e desviado um Lama (no (seu) caminho).

Permaneci imóvel, agora muda e surda também. Sustive gradualmente a respiração. Fixei o olhar no último ponto onde o perdera de vista e esperei que todos entrassem na sala. Quando o hall ficou vazio respirei fundo de novo. Aproximei-me também eu da sala, mas sabia que "depois daquilo" estava exausta, necessitada de recuperar energias. Reparei na quantia que cobravam pela entrada, e ainda mais pelo jantar. Vergonhoso. E lembro de ter pensado "para esse peditório não contribuo!" Olhei em volta, por igual montante e mais uns trocos preferi adquirir os escritos. Sentei-me num dos confortáveis sofás, descalcei os sapatos citadinos e comecei a ler ao som do burburinho de arrumadelas de cadeiras que se ouvia "da sala". Desliguei. Lia.

Percebi que já comecara a palestrar... mas continuei a ler, confortavelmente sentada no sofá, e com os pés felizes. Eis quando uma das portas dessa sala se abre, espreita a sua cabeça e pisca-me o olho com cumplicidade, deixando propositadamente a porta entreaberta... para que eu o pudesse ouvir melhor. Percebi. Sorri-lhe de volta, de olhos cerrados. Foi o nosso último flash da noite.

Change of frame:
Emiscuiu-se o antagónico de palavras e gestos com que 'aqueloutro' presenteara o que os Céus (pela 2a. vez) nos haviam reservado e quiçá cruzado num "feliz acaso de vida"... Quanto azedume de boca e desagradibilidade masculina gratuita... (lembrei)(suspirei)(lamentei).
Encolhi os ombros, guardei os papirus, levantei-me e subi ao último piso do hotel. Percorri corredores à toa. Deparei com a suite. Parei. A porta não estava trancada e o espaço não estava a ser utilizado. Entrei. Fui até à janela ver a vista nocturna sob a cidade e, saciado esse prazer casuístico, saí.
Não deveria ter feito nada disto mas julgo que não vem daí grande mal ao mundo...

Já na rua decidi ir ao encontro de um outro orador dessa noite: um viajante de quem sou amiga de longa data. Vê-lo de novo foi uma alegria. Rodeado de sua acrescida família e de outros rostos que apesar da lonjura ainda me são familiares. E de novo nos abraçámos, mais falámos e rimos. Antes e depois das honras do evento.
Ouvi-lo desta vez foi uma revelação: foram as palavras mais importantes da noite. Discursava de improviso e não sei a quem dirigia, concretamente, a(s) mensagens(s).
Mas para mim fez muito sentido... Muito Sentido Mesmo.

Depois, apeteceu-me e fui a pé até a casa.
P-e-n-s-a-t-i-v-a-m-e-n-t-e...

into the light
(by Gerhardt Thompson)