~ Vasco Pulido Valente
"Há vinte e cinco anos que me ocupo na actividade anormal, solitária e finalmente frustrante de escrever. É o género de extravio pelo qual não se pede desculpa e que nem para o próprio, sobretudo para o próprio, exige ou tolera qualquer justificação. Quem escreve, como modo de vida, postula, tem de postular, a bondade intrínseca do acto de escrever. Mais do que isso, visto que se trata de uma profissão mal remunerada e de pouco prestigio social, quem escreve tem de se imaginar revestido por uma graça única, que o põe à parte e acima das criaturas vulgares. Sem uma arrogância intelectual e a convicção intima mas devastadora da sua superioridade, nenhuma força no mundo o arrastaria para a frente do papel em branco e o faria pacientemente fabricar filas e filas de palavras, com um fervor maníaco que aplicado a objecto menos inofensivo o conduziria à cadeia ou à manufactura terapêutica de cestos.
Ao contrario do que julgam os amadores, os verdadeiros profissionais de escrever nunca são assaltados pelas célebres 'dúvidas e interrogações' sobre o valor e a utilidade dos seus escritos. A sombra de uma dúvida, a longínqua ameaça de uma interrogação impediriam o trabalho regular e metódico, indispensável ao pagamento da hipoteca da casa, da educação, dos filhos e das contas dos restaurantes. Nós, infelizmente, não andamos aqui para nos divertir ..."
Balanço e contas, in Grande Reportagem, nº 6, 11 Janeiro 1985
via Almocreve das Petas
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