25.4.06

MAIS DE CEM ANOS DE ACTUALIDADE NACIONAL


" O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada,
os carácteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.

Não há princípio que não seja desmentido.
Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.

Alguns agiotas felizes exploram.
A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.

O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte: o país está perdido!"

Texto escrito em 1871 por Eça de Queiroz,
no primeiro número d'As Farpas.



" Sempre que no parlamento se levanta a voz plangente do ministro,
pedindo que cresça a bolsa do fisco e se cubra de impostos a fazendo do pobre, para salvação económica da pátria, há agitações, receios, temores, inquietações, oposições terríveis, descontentamentos incuráveis.

O povo vê passar tudo, indiferente,
e atende ao movimento da nossa política, da nossa economia, da nossa instrução, com a mesma sonolenta indiferença e estéril desleixo com que atenderia à história que lhe contassem das guerras exterminadorasduma antiga república perdida.
(...)

Temos um déficit de 5.000 mil contos.
Esta é a negra, a terrível, a assustadora verdade.

Quem o promoveu? Quem o criou? De que desperdícios incalculáveis se formou? Como cresceu? Quem o alarga? É o governo?
Foram estes homens que combatem, foram aqueles que defendem, foram aqueles que estão mudos?

Não. Não foi ninguém.

Foram as necessidades, as incúrias consecutivas, os maus métodos consolidados, a péssima administração de todos, o desperdício de todos.
Depois, as necessidades da vida moderna,
de terrível dispêndio para as nações.

Como na vida particular, cresceram as superfluidades, o vão luxo,
o aparato consumidor, mais precisões, mais gastos, a vida internacional tornou-se tão cara que mais ou menos todas as nações estão esfomeadas e magras.
(...)

O déficit tornou-se um vício nacional, profundamente arraigado, indissoluvelmente preso ao solo, como uma lepra incurável. "

"O Déficit", escrito em 1867 por Eça de Queiroz